terça-feira, 12 de fevereiro de 2008

Resgate histórico




Desde pequeno sempre me interessei por história, era a disciplina que me dava bem e tinha realmente vontade de estudar, isso na época, era de se louvar, tendo em vista meu pouco interesse pelo Colégio.
O tempo foi passando e a curiosidade sobre os acontecimentos do passado aumentava proporcionalmente com a vontade de estudar. Algumas viagens curtas e muita leitura.

Já na faculdade, o interesse se torna específico: O período da ditadura militar no Brasil.
Entre conversas com um amigo também interessado no assunto e relatos de um professor engajado na causa e participante do Grupo Tortura Nunca Mais, vou me aprofundado nos estudos históricos deste período macabro e instigante da história recente do país.
Li muita coisa, vi vários filmes e ouvi grandes histórias de heróis de esquerda, mitificados por suas participações na luta armada.
Junto deste amigo, organizamos como membros do diretório acadêmico da PUC um debate de relatos e idéias, além de um fanzine intitulado Atitude (com o AI em destaque), que relembrava os 40 anos do golpe militar de 64.
Alguns meses atrás, nas minhas constantes pesquisas na internet sobre o tema, encontro o relato de Celso Lungaretti, um militante que participou da luta armada, sendo preso e torturado brutalmente, como muitos outros, porém com um fato histórico diferente, foi acusado durante mais de 30 anos de uma confissão, ou como muitos preferiam injustamente dizer, “delação” que levou a descobertada de uma base onde se encontrava Carlos Lamarca.
Essa era a história que eu sabia, até então.
Tido como inimigo na direita e traidor na esquerda, Celso luta para provar sua inocência. Consigo o contato direto com ele e adquiro seu livro.
O relato está registrado no “Náufragos da Utopia”, um livro que conta toda essa história, que passa desde os movimentos estudantis da época, luta armada, torturas, injustiças, coragens e vontade de refazer um capítulo da história.
O livro, além de muito bem escrito, traz uma narrativa de agradável leitura, porém, mais do que isso, apresenta relatos interessantes e desmistificam o que sempre achei incoerente em vários outros livros sobre essa época, a mitificação dos grandes heróis da revolução.
Muitos foram sim pessoas de coragem admirável, porém, há grande nomes que foram reconhecidas pela grande mídia que não tiveram papel tão importante assim na revolução, como pintam. Tiveram sim papel fundamental no recebimento de indenizações e pensões vitalícias, deixando para trás, muitos outros que realmente mereciam tal recurso, como Lungaretti.
Este livro, me fez repensar o papel da esquerda hoje, assim como do atual governo.
Muitas coisas passam despercebidas aos olhos românticos do socialismo.

Registro aqui meu relato e meu agradecimento ao Celso, por contribuir de alguma forma para o que considero mais importante no pensamento humano: o poder de questionar.

Um comentário:

  1. Éder,

    fico contente por estar sendo bem compreendido - pelo menos pelos leitores mais sensíveis, como você.

    Eu lia livros e assistia a filmes sobre companheiros que conheci, mas não era eles que encontrava e sim os "homens de mármore" a que se referiu o cineasta polonês Wajda. Imponentes e ôcos.

    Então, quando tive finalmente oportunidade de apresentar minha visão sobre o período 1968/73, procurei restituir a humanidade a todos os personagens - o que implicava mostrá-los com seus acertos e erros, sua grandeza e pequenez.

    Ninguém era o grande herói fazendo História. Todos tateávamos, cumprindo um papel sem nos sentirmos realmente à altura dele. Como se fôssemos os mais próximos do centro de acontecimentos e a História nos houvesse pinçado para desempenhar determinadas funções, à falta de melhores atores.

    Mesmo assim, fizemos muito. Bem mais do que se poderia esperar de nós, num confronto tão desigual.

    Então, ajudado por minhas lembranças de jovem que a tudo via com olhos de literato (eu tinha esse tipo de sensibilidade, que me fez guardar na lembrança muitos detalhes aparentemente menores, mas que acabavam sendo emblemáticos), creio ter conseguido mostrar como realmente éramos nós, os militantes
    que começaram no movimento estudantil e depois travaram a luta armada.

    Certa vez, na ECA/USP, fiz um teleteatro sobre exilados, mostrando, entre outros aspectos, os traumas remanescentes das torturas. Recebi azedas críticas dos stalinizados, que só queriam ver representados homens de mármore, disparando bravatas heróicas a cada frase.

    No entanto, hoje já existe espaço para essa visão que vai buscar o homem atrás do revolucionário, sem desmerecer sua luta e seus ideais.

    Pelo contrário, muitos jovens que se enfadavam com os homens de mármore, descobriram que os revolucionários de carne e osso não eram tão diferentes assim deles próprios. Passaram, então, a respeitá-los e a interessar-se por suas peripécias.

    Caetano mandava derrubar as estátuas. Acertou em cheio. Homens são melhores.

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